RITOS



Ritos

Designação genérica de diferentes atos ou comportamentos, individuais ou coletivos, que seguem regras destinadas a serem repetidas segundo esquema previamente determinado.
Religião
v. tb. Elêusis, mistérios de; Magia; Passagem, ritos de; Religião; Tabu; Totemismo
Em algum momento de sua evolução, o homem adotou a crença de que sua existência era condicionada por forças estranhas. A magia e a religião foram os caminhos que seguiu para dominar os poderes sobrenaturais e para obter sua compaixão ou ajuda.
Rito, em sentido amplo, é um ato ou conjunto de comportamentos, individuais ou coletivos, que segue certas regras destinadas a serem repetidas segundo um esquema previamente determinado. Embora o termo possa designar todo ato profano com significação social -- o cerimonial--, em sentido estrito pertence ao âmbito do sagrado e se refere às diversas formas de rituais com que o homem tentou dominar poderes sobrenaturais ou ocultos para alcançar seus propósitos.
Esses rituais pressupõem que os seres divinos possam ser movidos pela piedade ou ouvir o apelo de justiça; que as divindades se tornarão mais complacentes ante sacrifícios e oferendas; e, se os sentimentos dos deuses forem malignos, que possam tornar-se propícios e subornáveis pela satisfação de seus desejos e apetites. Por esse meio, os homens subordinam as decisões sobre sua forma de vida, pensamentos e sentimentos aos poderes ocultos. O rito distingue-se do costume por referir-se a um tipo de ação que não se legitima por motivos utilitários apreensíveis no domínio dos fatos empíricos.
Origem e natureza do rito
- Entre as numerosas teorias já formuladas sobre a origem e a natureza do rito, as mais difundidas são o evolucionismo, o funcionalismo e a história da religião.
A lei fundamental da teoria evolucionista baseia-se na tese de que, por analogia com o indivíduo, a ontogenia -- desenvolvimento de um organismo individual -- é semelhante à filogenia -- evolução de um grupo de organismos. Os seguidores dessa doutrina acreditam que poderiam explicar os ritos contemporâneos do homem se fosse possível descobrir os ritos das culturas mais primitivas. Nestas, de acordo com o escocês William Robertson Smith, o sacrifício era motivado pelo desejo de comunhão entre os membros de um grupo primitivo e seu deus. Dever-se-ia, portanto, buscar a origem do rito nos cultos totêmicos do clã, os quais se baseavam no simbolismo dos animais.
O funcionalismo -- representado por antropólogos como o polonês Bronislaw Malinowski e os britânicos Alfred Reginald Radcliffe-Brown e Edward E. Evans-Pritchard -- explicou o rito em termos de relação entre necessidades individuais e equilíbrio social. Malinowski viu nos ritos uma criação da inteligência para suprir as deficiências do instinto nos homens que, diferentemente dos animais, não seriam regidos por regras biológicas. Essas obrigações, criadas pela sociedade sob a forma de ações estereotipadas ou de interdições, regulariam a conduta humana e tornariam viável a vida social. Desse modo, o rito é visto como reação de ajustamento e adaptação ao ambiente físico e social.
A terceira doutrina que tenta explicar o rito é baseada nos estudos dos historiadores das religiões, entre os quais se destacaram Gerardus van der Leeuw nos Países Baixos, Rudolf Otto na Alemanha, Joachim Wach e Mircea Eliade nos Estados Unidos e E. O. James no Reino Unido. Em lugar de procurar a função do rito nas finalidades que lhe são exteriores, pesquisaram quais as características que o fazem aparecer como meio de regulamentar as ligações entre o que é dado na existência humana e o que parece ultrapassá-la, por se tratar de condutas que, embora ligadas à condição material do homem, nela não encontram explicação.
A necessidade da ritualização, tal como ela surge na sociedade primitiva, ligar-se-ia ao fato de que, por sua natureza, o homem não pode se fechar na sua condição nem dela escapar totalmente. Por acreditar-se livre, o homem sofre uma certa angústia ante a indeterminação ou insegurança da sua ação ou da existência mesma, o que o faz experimentar um sentimento de algo que ele não pode dominar. É o que os antropólogos denominam -- desde o filósofo da religião Rudolf Otto -- o numinoso.
Esse termo, mais amplo que o "sagrado", designa, para além do sobrenatural, o que se revela aos homens, ao mesmo tempo, como atraente e terrífico, o misterioso. Ao terem o sentimento do numinoso, procuram tanto dele escapar quanto dominá-lo, para se preservarem dos seus perigos e se colocarem sob sua proteção. Nessa teoria, o rito significa ou expressa o sagrado, isto é, o reino do transcendente ou última realidade. As atitudes fundamentais em torno das quais, em virtude das funções antropológicas, se organizam os ritos, a purificação, a magia e a religião, resultam disso.
Magia e religião. Considerando-se a eficácia como propriedade imanente da ação dos ritos, pode-se dividi-los em dois grandes grupos: mágicos e religiosos. Os primeiros se limitam à força ou potência que têm em si mesmos para manipular seres sobrenaturais. Os ritos mágicos exercem uma força coercitiva, encontram-se impregnados de necessidade, de maneira que os acontecimentos que produzem denotam certo determinismo. O rito mágico cria e faz, possui a virtude intrínseca de constringir diretamente as coisas, basta-se a si mesmo; pelo simples efeito de seus encantamentos, o mago ou bruxo fabrica a chuva, chama o vento, detém a tormenta, concede a vida e a morte etc. Pode ser anulado pela ação de forças hostis; caso não tenha eficácia, sua falha será atribuída a maquinações de outros magos, ritualmente melhor executadas, ou a erro nas prescrições ou restrições que o acompanham.
O rito religioso tem a intenção de comunicar-se com os poderes sobrenaturais. Ao lado da força especial que, como acontece na magia, é imanente a sua ação, caracteriza-se por só produzir efeitos pela intervenção de certos poderes que existem, acredita-se, fora do próprio rito. O rito deve atuar sobre esses poderes -- deuses pessoais, divindade única, princípios gerais da vegetação, almas de espécies totêmicas etc. -- e, através deles sobre as coisas, os acontecimentos e os homens.
Comparado com a coação determinista do rito mágico, o rito religioso consiste em solicitação por meio de oferenda ou de petição. Quando a ação se exerce através de intermediário, seja deus ou espírito, este não é um ser inerte, tem a possibilidade de resistir ao rito e, portanto, é necessário obter o seu favor. A diferença entre os dois tipos de rito é bem clara no exemplo que se segue: um índio faz um rito mágico quando, ao sair para a caça, acredita poder parar o sol ao colocar uma pedra a certa altura em uma árvore; Josué fazia um rito religioso quando, para parar o mesmo sol, invocava o todo-poderoso Iavé.
Ritos religiosos
- De acordo com o sociólogo francês Émile Durkheim, os fenômenos religiosos podem ser classificados em duas categorias fundamentais: as crenças e os ritos. As primeiras são estados de opinião e consistem em representações; os segundos são modos de ação determinados. Toda religião supõe uma classificação das coisas, reais e ideais, em duas categorias ou gêneros opostos designados com os termos profano e sagrado.
A coisa sagrada é, por excelência, aquela que o profano não pode tocar; os ritos religiosos são regras de conduta que prescrevem como o homem deve comportar-se em relação às coisas sagradas. Só o rito permite chegar à fonte do poder do sagrado; caso contrário, o sagrado pode converter-se em fonte de perigo. Nos povos primitivos, exige-se com freqüência a nudez completa como condição prévia para a participação no rito; essa exigência de pureza persiste na religião católica no ato de confissão para poder ter acesso à eucaristia, momento culminante do rito da missa.
Por meio dos ritos de separação ou sacralização, a pessoa acede ao sagrado, "morre", abandona o mundo profano. Durante o período de confinamento ou retiro espiritual, a pessoa se encontra, ou acredita encontrar-se em comunicação com o sagrado; ela mesma é sagrada. Seu "regresso", seu renascimento para o mundo do profano, faz-se por meio de ritos de dessacralização ou agregação.
Os ritos religiosos têm três características fundamentais. A primeira é um sentimento ou emoção marcado pelo respeito, pela fascinação e pelo temor em relação ao sagrado. A segunda característica é sua dependência de um sistema de crenças que, em geral, se expressa na linguagem do mito. A terceira é um simbolismo em relação a sua referência, o conjunto de crenças.
Tipologia dos ritos
- De acordo com a finalidade perseguida, os ritos admitem grande variedade de tipos. Entre os mais aceitos, podem distinguir-se os seguintes:
(1) Imitativos. Esses ritos são ditos imitativos no sentido de que repetem um mito ou um aspecto de um mito. Constituem um bom exemplo os rituais comuns a todas as religiões e que sobrevivem, inclusive em sociedades leigas, da celebração do ano novo, no qual se repete a história da criação.
(2) Positivos e negativos. A maioria dos ritos positivos tem como objetivo a consagração ou renovação de uma coisa ou de uma pessoa, como o batismo, a bênção de um edifício etc. Os rituais negativos estão sempre relacionados com o comportamento ritual positivo. O conceito de proibição é o que melhor descreve um ritual negativo, de interdição. A palavra tabu, de origem polinésia, designa a proibição de ritos a pessoas, ou como castigo ou por condição social inferior -- ao rei são permitidos ritos vetados aos demais. Na Igreja Católica, a excomunhão afasta o crente da comunidade e lhe veta os ritos necessários a sua salvação.
(3) Ritos de sacrifício. Nos ritos de sacrifício, um objeto é oferecido à divindade para estabelecer, manter ou restaurar a relação adequada do homem com a ordem sagrada. O sacrifício -- encontrado em todas as religiões -- pode ser sangrento, incruento ou em forma de oferendas divinas. Como exemplo, podem ser citados os sacrifícios humanos de fenícios e de astecas, no primeiro caso; as oferendas de arroz e comida dos povos asiáticos para o segundo; e da própria divindade, simbolizada no pão e no vinho da missa católica, para o terceiro tipo.
(4) Ritos de passagem. Chamam-se assim os ritos que marcam a passagem de um estado social ou religioso para outro. Esses ritos podem ter como centro o indivíduo, como os de nascimento, puberdade, matrimônio, funerais, iniciações, entronizações etc.; enfatizar as comunidades, como os ritos de paz, de guerra ou de renovação; e privilegiar as coisas, como a consagração de lugares, a inauguração de edifícios etc.
O rito de passagem se deve à necessidade de conferir origem sagrada a um fato de especial importância. A ficção ritual determina que o fato natural não seja levado em consideração, pois importa apenas o ato religioso. Assim, em muitos povos primitivos não se considera que o recém-nascido tenha sido dado à luz até que seja submetido ao rito prescrito. Na Igreja Católica, se um recém-nascido morre sem batismo, sua alma não pode subir ao céu e é condenada a um lugar ambíguo chamado limbo.
(5) Ritos de fortalecimento. Conhecem-se por ritos de fortalecimento aqueles que assinalam acontecimentos ou crises na vida da comunidade em seu conjunto, como a ausência de chuvas, a preparação da semeadura, da colheita, o início de atividades comunitárias como a caça e a pesca etc. Alguns rituais podem desempenhar as funções de ritos de passagem e de iniciação; isso ocorre com a cerimônia dos índios navajos conhecida como "canto da noite", executada para curar um indivíduo de uma enfermidade, mas que serve também para aumentar o bem-estar de toda a comunidade.
(6) Ritos relacionados com os alimentos. No comportamento religioso encontra-se o uso amplamente difundido do alimento como símbolo. A razão é que a religião é um dos sistemas de pensamento e ação pelos quais os membros de um grupo expressam sua coesão e identidade, mas precisa de representação material, como toda atividade simbólica, e encontra na comida e na bebida seus veículos mais adequados.
O valor simbólico atribuído a determinados alimentos não parece relacionar-se com as qualidades nutritivas dos mesmos. Assim, a carne de porco tem um significado positivo para os papuas da Nova Guiné, mas é proibida pelas religiões judaica e islâmica. Em determinados ritos, certos alimentos adquirem um significado sagrado, como o pão e o vinho na eucaristia católica. O jejum e a abstinência de carne também fazem parte dos ritos religiosos ligados ao consumo de alimentos.

Magia; Passagem, ritos de; Religião; Tabu; Totemismo

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